sexta-feira, 8 de abril de 2016

É LEGAL COBRAR TAXA DE EVOLUÇÃO DA OBRA?



LEGALIDADE DA TAXA DE EVOLUÇÃO DE OBRA OU JUROS DE OBRA.

Para entender melhor sobre a validade ou não da taxa de evolução de obras, primeiramente é necessário lembrar algumas regras atinentes aos contratos.

Sabendo que o contrato é negócio jurídico e como tal é feito de regras, torna-se evidente que, para terem validade em um contrato, as cláusulas devem estar em compasso com normas que balizam a convivência social.

Quando falamos da legalidade da Taxa de Evolução estamos nos referindo a validade dessa Taxa dentro de um contrato, ou seja, analisamos se a cláusula contratual que dispõe sobre a Taxa de Evolução de Obras é legal ou ilegal naquele contexto.

Partindo desse pressuposto e sabendo que todo contrato tem uma função social, e mais, que se trata de importante instrumento capaz de fazer Lei entre as partes, é salutar que este instrumento siga o que preceitua o ordenamento jurídico, dentro do papel social, ao contrário se teria um instrumento anulável.

Sabendo que, a rigor, todo contrato expressa a vontade de duas partes, nada mais correto do que cumprirem com aquilo que acordaram entre si. Contudo, há tempos, o brocado jurídico; “pactuou tem que cumprir” (pacta sunt servanda) foi mitigado, sobretudo, pelo advento da Constituição de 1988, podendo todo e qualquer contrato ser revisto pelo poder judiciário, desde que lese ou ameace direitos justapostos.

Observe-se que, com a vinda das garantias constitucionais, como dignidade da pessoa humana e direitos de personalidade, e até mesmo com a chegada de Leis regulamentadoras, como o Código de Defesa do Consumidor, não há mais espaço para contratos que tragam prejuízos extremos a uma parte em detrimento ou em enriquecimento da outra, tendo o Estado que primar sempre pelo equilíbrio contratual.

Dito isso, vem a celeuma: Sabendo que taxa de Evolução de Obra nada mais é do que juros cobrados pelo banco em decorrência do empréstimo feito por ele à construtora para financiamento da obra, é mais que razoável que o repasse dessa Taxa ao consumidor seja injusta, pois ele acaba rateando compulsoriamente uma Taxa que em tese é exclusiva da construtora. Talvez seja por esse motivo que geralmente ela é introduzida ao contrato de forma escusa.

Em outras palavras, o banco empresta o dinheiro à construtora exigindo desta o pagamento de Juros de Evolução de Obra, que, por sua vez, são repassados aos compradores quando estes assinam o contrato para o financiamento bancário.

A astúcia dos Grupos está aí. Após o comprador finalizar o “financiamento com a construtora” (pagar entrada, corretagem, balões e parcelas), aguardando ansioso a entrega das chaves, faltando apenas assinar seu financiamento imobiliário. Nessa hora, o próprio Banco (que geralmente é financiador da obra) embute a Taxa de Evolução no contrato de financiamento. Isso faz com que, ainda que o comprador não aceite a inclusão de tal Taxa, seja condicionado a assinar o contrato de financiamento, sob pena de não conseguir o crédito, ficar inadimplente no contrato e não conseguir as chaves, ou seja, perder o imóvel pronto, que já achava ser seu.

Daí, decorre a primeira ilegalidade da Taxa: Falta de clareza em sua cobrança. Essa obscuridade afronta as garantias de direito, especialmente a lei consumista, sobretudo, quando determina que o Consumidor deverá ter informações precisas acerca daquilo que está adquirindo, não podendo ser “surpreendido” com cobranças das quais desconhecia. A exemplo do que acontece na espécie, quando falamos da Taxa de Evolução de Obra.

Ressalte que o instituto da Evolução de Obra ou Juros de Obra fora criado para evitar que as construtoras atrasem a entrega das obras. Assim, cessada a obra ou chegada a fase de entrega das chaves, a taxa não mais poderá ser exigida do comprador, recaindo sobre a construtora os prejuízos pelo não cumprimento do cronograma de obras. Entretanto, na prática, não é isso que acontece, vemos que mesmo com atraso na entrega, as vezes em fase de habite-se, ainda se continua a cobrança da famigerada Taxa de Evolução, a pretexto de força contratual.

Disso que foi dito, se percebe que essa cláusula, embutida atualmente em praticamente todos os contratos de promessa de compra e venda, não é obrigatória, ou pelo menos não haveria de ser, podendo “ser questionada” na hora da compra, até antes da assinatura do contrato de promessa de compra e venda. Todavia, sabemos que na prática não se consegue o financiamento sem a adesão a esta Taxa abusiva, o que faz dela uma armadilha ilegal.

Com efeito, uma vez contratada a cláusula de evolução, apenas poderá ser afastada por aditivo contratual, ou pelo judiciário por provocação das partes. Nessa linha, o Judiciário vem entendendo que a Taxa se torna ilegal a partir da finalização da obra, ou do fim do prazo para entrega das chaves, o que - para nós que defendemos a ilegalidade total da Taxa - já é um avanço.

Vejamos o que entende o Tribunal de Justiça de Minas Gerais a respeito do tema:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA C/C REPARAÇÃO DE DANOS - CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA- BEM IMÓVEL - DESCUMPRIMENTO - TAXA DE EVOLUÇÃO DE OBRA - PAGAMENTO APÓS A ENTREGA DAS CHAVES - ATRASO NA ENTREGA DO "HABITE-SE"- RESSARCIMENTO DEVIDO - RECURSO PROVIDO. Caso a construtora proceda à entrega do imóvel sem providenciar a tempo e modo a certidão de "habite-se", deve ressarcir a parte autora pelos valores efetivamente pagos a título de taxa de evolução da obra até a entrega do referido documento, tendo em vista a comprovação de sua mora. (Apelação Cível 1.0024.11.280923-1/001, Relator (a): Des.(a) Wanderley Paiva, 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/06/2014, publicação da sumula em 10/06/2014)

APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. TAXA DE EVOLUÇÃO DA OBRA. COBRANÇA EFETIVADA PELO AGENTE FINANCEIRO. CONSTRUTORA. ATRASO NA ENTREGA DO "HABITE-SE". DANO MATERIAL COMPROVADO. RESSARCIMENTO. NECESSIDADE. INTERPRETAÇÃO CONTRATUAL. DIVERGÊNCIA. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. 1) A taxa de evolução da obra é cobrada do mutuário pelo agente financeiro desde o início da construção do empreendimento até a efetivação do contrato de financiamento, o que somente ocorre após a expedição da certidão de "habite-se". Assim, a construtora que entrega o imóvel sem providenciar a tempo e modo a referida certidão, impossibilitando a celebração do contrato de financiamento, deve ressarcir o mutuário pelos valores pagos a título de taxa de evolução da obra no período compreendido entre a entrega das chaves e a emissão do "habite-se". (...)(TJMG – Processo nº 1.0024.12.026774-5/001 - Relator: Des. Marcos Lincoln – Data da publicação: 19/11/2013)

Logo, se o consumidor realizou a compra de um imóvel na planta, e somente após assinatura do contrato de financiamento percebeu a previsão de Clausula de Evolução de Obra, é importante que acione o judiciário, requerendo a suspensão da referida Taxa até o fim do processo. Comprovado, todavia, o abuso ou qualquer outra disfunção no contrato, bem como atraso na entrega das chaves ou do habite-se, o Consumidor terá direito de não mais pagar a Taxa e ainda receber em dobro aquilo que pagou a título de Taxa de Evolução, por aplicação do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor.

Por fim, vê-se que a Taxa de Evolução de Obra não está estritamente ligada, como indica seu nome, à construção em si da obra, mais sim a uma manobra perspicaz, utilizada pelas construtoras e bancos, para repassar ao Consumidor Juros do negócio por eles entabulado. 

Resta refletir, se essa política financeira dos Juros se coaduna com o Estado Democrático de Direito ao qual pretendemos. Ao nosso sentir a resposta é negativa. Trata-se da manutenção do mesmo capitalismo colonial, assimilado de forma destrutiva capaz de transfigurar até mesmo boas ideias, a exemplo do que ocorreu com as minadas Políticas de Habitação, não apenas no Brasil, mas em todo o Mundo que segue esse modelo de “crescimento”, pseudodemocrático.

Saulo Veríssimo
advogado
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quarta-feira, 2 de março de 2016

TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O DIREITO À ISONOMIA.

CONTRATADO E SERVIDOR PÚBLICO QUE EXERÇAM AS MESMAS FUNÇÕES TÊM DIREITO A RECEBER O MESMO SALÁRIO. 

Terceirização na Administração Pública e a diferença entre equiparação salarial e isonomia.

É cada vez mais comum a contratação de pessoas por meio de entidades privadas para o desenvolvimento de atividades em cooperação com o Estado nos chamados Convênios de Cooperação.

Os Convênios, como acontece em muitos outros importantes mecanismos de desenvolvimento de políticas públicas, trazem consigo a nódoa da mercantilização e muitas vezes desvirtuam o caráter cooperativo social em busca de lucros, cenário em que se cria a figura da terceirização.

Por mais fascinante que seja a discussão a respeito da legalidade ou não da terceirização, quem pode terceirizar? Qual mão de obra poderá ser terceirizada? Nos contemos a dizer apenas que atualmente somente a chamada mão de obra meio, como serviços de conservação e limpeza, pode ser terceirizada, embora haja inúmeras contratações suspeitas.

Particularmente, sustentamos que qualquer modelo de terceirização é precarização do trabalho. A valorização do trabalho passa pela autonomia do trabalhador e não pode se confundir subordinação com situação serviçal. O trabalhador deve ser visto como colaborador, de preferência colaborador direto, conhecedor dos seus deveres e direitos, diferente de ser visto como objeto de lucro, o que acontece com a mercantilização é que ela se afasta do princípio da valorização do trabalho.

 Deixando de lado o debate a respeito da terceirização, vamos nos ater brevemente acerca de um dos seus efeitos, que está diretamente ligado com à isonomia salarial como sendo Direito fundamental.

Em muitas ocasiões, pessoas são contratadas por entidades para desenvolvem projetos de políticas públicas nos chamados Convênios, laborando para entidades que prestam serviços em parcerias com entes públicos, como é o caso de prefeituras, fundações entre outras.

Ocorre que normalmente esses profissionais são admitidos lado a lado com funcionários públicos concursados, desenvolvendo as mesmas funções dos funcionários de carreira, todavia, recebendo salário muito inferior, o que gera o Direito à isonomia, já que todos são iguais perante a Lei.

De um lado existe de fato a carência de funcionários por parte do Estado. Seja para desenvolvimento de mão de obra barata, seja pela necessidade de pessoal para a realização de políticas públicas. De outro lado, temos a precarização da mão de obra, já que há um barateamento da folha ao se contratar pessoal terceirizado, que além de receberem menores salários não gozam da estabilidade garantida ao funcionário público concursado.

São inúmeras as situações. Recentemente, tivemos um caso de um Assistente Social contratado, que laborou durante anos desenvolvendo as mesmas atribuições dos Analistas de Políticas Públicas concursados da prefeitura. Durante esses anos o trabalhador contratado recebia 1/3 do salário dos colegas que eram concursados e desenvolvia as mesmíssimas funções, trabalhando inclusive em equipe.

Em Reclamação Trabalhista o Juízo da 3ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, reconheceu a identidade de funções e condenou a Associação a pagar diferença salarial por todo período laborado, decisão confirmada pelo Acórdão do Tribunal. (Processo n. 0010534-63.2015.5.03.0003)
 
Os tribunais – em casos idênticos - vêm entendendo que não se trata de mera equiparação entre salários, tese utilizada muitas vezes pelas empresas que terceirizam. Endentem os julgadores que a isonomia é bem jurídico mais amplo, guarda relação com a própria dignidade da pessoa humana.

Com isso, as turmas vêm afastando inclusive a Orientação Jurisprudencial 297 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, que basicamente veda a equiparação salarial entre funcionário público direto. Os ministros avançaram reconhecendo a isonomia acima da regra infraconstitucional, reconhecendo-a como direito fundamental.

Nessa linha, ao enfrentar vários processos de trabalhadores contra empresas que terceirizam, o C. TST avançou editando a OJ 383, que trata diretamente do tema da isonomia na terceirização pela Administração Pública.  Restou definido nessa Orientação que - independentemente da contratação do trabalhador terceirizado ser legal ou ilegal – ainda que “não gere equiparação entre servidores públicos” como orienta a suplantada OJ 297 do TST, se observado o postulado constitucional, o trabalhador terá sempre direito à isonomia. Vejamos:

OJ – 383, TST, SBDI-I                      
“A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, 'a', da Lei 6.019, de 03.01.1974.”

Nesse compasso, fica claro que equiparação salarial se difere da isonomia apesar de guardar seu gene. Aquela com fundamento no Art. 461 da CLT, prevê situação de fato, já a isonomia deriva diretamente da Constituição Federal, Art. 7º, incisos XXX e XXXII, e busca a igualdade, vale dizer, tenta-se erradicar a discriminação salarial por motivos de raça, gênero e religião. Em outras palavras, a isonomia salarial é a personificação do princípio da igualdade, consagrado em nosso Direito como fundamento estrutural da sociedade.

Portanto, se um empregado foi contratado por empresa interposta e labora em identidade de funções, seja com funcionários públicos, seja com seus pares também contratados, terá o direito constitucional de receber não apenas o mesmo salário, mas também o mesmo tratamento dos funcionários de carreira, sendo inegável que a forma de contratação não pode preterir um ser humano ao outro.

Sendo assim, jazemos na luta das garantias pétreas, para termos em vista sempre a possibilidade de uma sociedade mais justa e uma Constituição cada vez mais cidadã.

Belo Horizonte, 01 de março de 2016.


Saulo Veríssimo Viana de Carvalho
Advogado